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A configuração da união estável provoca consequências na esfera patrimonial dos conviventes

A família é instituição considerada núcleo natural e fundamental da sociedade e sobre ela recai o direito à proteção estatal internacionalmente reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XVI, 3). No Brasil, famílias e/ou entidades familiares contam com o amparo constitucional constante no art. 226 da Constituição Federal (CF/88), que inclusive equipara a união estável ao casamento para efeito de proteção estatal.

Desse modo, o casamento não mais figura como única instituição capaz de integrar o conceito de família. Na doutrina nacional, há quem liste até 12 espécies de entidades familiares.

O fato é que esse cenário normativo sugere a ideia de que o conceito jurídico de família teria abraçado a realidade social, conferindo novo relevo à tutela das pessoas que compõem o núcleo familiar.

No entanto, por não ser possível analisar todas as entidades familiares em curto espaço, o presente ensaio versará sobre a união estável, destacando suas peculiaridades que demandam mais atenção.

De início, importa registrar: união estável é situação de fato entre duas pessoas de modo a caracterizar uma entidade familiar. Além do já mencionado amparo constitucional, conta ainda com regulação nas Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96, nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, além de outras normas esparsas.

Mas o que, de fato, vem a caracterizar essa espécie de entidade familiar para fins de proteção estatal?

Diferentemente do casamento, a configuração de uma união estável orbita no mundo dos fatos e não exige documentação, declaração ou qualquer ato solene para que seja caracterizada.

É no art. 1.723 que o Código Civil relaciona os requisitos de reconhecimento da referida entidade, quais sejam: convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Mesmo sem a exigência normativa, as partes que se declaram em união estável contam com a faculdade de formalizarem a relação mediante escritura pública (Resoluções nº 35 de 2007 e nº 37 de 2014, ambas do CNJ).

Todavia, tratando-se de família estruturada pela convivência, os desafios surgem quando a relação não formalizada tem fim – por escolha ou por óbito de uma das partes – e não há concordância quanto à natureza do relacionamento havido entre elas.

Havendo discordância, as partes envolvidas devem se socorrer ao judiciário, buscando a declaração judicial acerca da natureza daquela relação. E isso pode ocorrer mesmo após o falecimento de um dos ex-conviventes (ou até mesmo de ambos, a pedido dos herdeiros), o que se busca por meio da não rara ação de reconhecimento de união estável post mortem (artigos 693 a 699 do Código de Processo Civil).

É que a subjetividade inerente aos termos escolhidos pelo legislador para caracterização da união estável ensejaram as mais diversas interpretações na doutrina – pondo em dúvida até mesmo os conviventes e/ou namorados. O cenário de incertezas no plano fático lança ao órgão julgador a missão de identificar a natureza da relação explicitada em juízo, aferida caso a caso.

Nesse ponto, é relevante assinalar: mesmo preenchidos os elementos fáticos caracterizadores, o reconhecimento de uma união estável pode ser afastado pelo judiciário quando a relação tiver extrapolado barreiras normativas. Em outras palavras, não pode constituir união estável quem também não puder casar, nos termos do art. 1.521 do CC/02. E tem mais.

Quanto à possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, as controvérsias se dividem entre Tribunais Estaduais e Cortes Superiores, pois há julgados que acolhem, mas há também os que afastam.

Quanto ao último caso, ganhou especial repercussão o recente julgado do STF, que, em matéria previdenciária, rejeitou o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, com fundamento nos deveres de fidelidade e de monogamia insculpidos no ordenamento jurídico-constitucional.

Em verdade, a relevância de se ter declarada a situação fática de convivente está nos reflexos que dela decorrem.

A configuração da união estável provoca consequências na esfera patrimonial dos conviventes, que devem se submeter ao regime de comunhão parcial de bens regulado nos artigos 1.658 a 1.666 do CC/02. Isso implica afirmar que os bens adquiridos onerosamente pelos companheiros durante a união estável podem vir a ser partilhados em caso de dissolução da relação.

Por óbvio, a regra comporta exceções, também previstas na codificação (art. 1.659 do CC/02). Isso porque os conviventes podem comprovar que a aquisição dos bens se deu a partir de recursos acumulados antes da união estável (por sub-rogação, como exemplo).

Podem ainda afastar a incidência do regime de comunhão parcial, ao preverem regime diverso em contrato escrito por eles pactuado (art. 1725 do CC/02).

Além disso, a configuração de União estável também tem implicações sucessórias. O tema era tratado pelo art. 1.790 do CC/02, mas o dispositivo foi declarado inconstitucional por estabelecer distinções entre casamento e união estável. Assim, é o artigo 1.829 do CC/02 que se aplica em caso de sucessão dos companheiros. Em suma, o status de convivente confere também status de herdeiro.

As considerações ora levantadas versam tão somente sobre a união estável, mas já evidenciam o vasto leque normativo que dá suporte ao comando constitucional de proteção às diversas espécies de família (sejam elas formadas pelo casamento ou não).

Resta saber se estamos preparados para os reflexos dessas novas conformações no plano jurídico, já que as peculiaridades das relações familiares transcendem as delimitações conceituais e nos remetem aos mais variados desafios.

Fonte: Colégio Notarial do Brasil

Os reflexos jurídicos da União Estável
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